sexta-feira, 29 de julho de 2011

Corridas e histórias

A história não é desse carro. Mas esse é parecido.

Corrida de carro é foda. É muito legal mas não custa barato. Quem não tem muita grana disponível ou não quer se profissionalizar e esquentar a cabeça com patrocínio só corre de vez em quando. Meu caso. Mas como é legal, vez por outra tá sapeando em box em dia de treino ou corrida. Meu caso também.

Faz tempo já, um amigo que tinha uma escola de pilotagem montou uma equipe pra correr a corrida mais charmosa que tinha antigamente - as Mil Milhas.

Podia de tudo. Protótipos, carros de turismo quase sem preparação, carros de turismo bem preparados, carros bons, carros ruins, fuscas. Tudo.

Largada à meia-noite, mais de onze horas de duração. Era legal.

Esse amigo tinha comprado um Passat preparado conforme o regulamento da categoria Turismo A. Ou seja, tinha um motorzão legal e bem potente (pra época), câmbio escalonado, usava pneus slick e era bem aliviado em peso. Sem contar o resto da preparação, bem feita, mas não cabe entrar nesses detalhes.

O carro foi pintado (cinza prata com faixas pretas e vermelhas. Bonito pacas), trocaram o motor que veio nele por um mais manso, novo. Três ex-alunos da escola se juntaram pra alugar o carro e pagar os custos da corrida. Desses três um eu conhecia bem. Rematado pé de breque. Os outros eram ainda muito crús pra andar em corrida.

Nessa época eu tava meio por fora do curso de pilotagem e meio por fora das corridas. Mas, sabendo do carro e da equipe montada, fui ver o último treino de classificação. O formato adotado na época era de 4 treinos classificatórios: dois com luz do dia e dois à noite. E naquela época bastante gente se inscrevia pra correr as Mil Milhas.

Tem limite de carros suportados pela pista e o "corte" dos inscritos que excediam esse limite era o tempo obtido na classificação. Se não me engano podia largar 54 carros, só.

Chego eu no box e me deparo com um esquema até que legal. Carro bonito, pneus e peças de reposição suficientes pra 1.600 km, box bem montado, com boas instalações, bancadas e... uma geladeira horizontal forrada de refrigerantes, água e cerveja em lata.

Não me fiz de rogado e fui logo me servindo de umas latas.

A certa altura, o amigo dono da escola de pilotagem me chama de canto e diz que os pilotos não tinham conseguido andar rápido o suficiente no primeiro treino classificatório diurno e nem no primeiro noturno. No segundo treino classificatório diurno tinha chovido e não tinha como andar rápido. Sobrara então o segundo treino noturno e ele achava que os meninos não iam mesmo classificar o carro.

Me pediu então pra tentar classificar o carro pra eles.

A merda tava feita.

Chamados os três pilotos, vimos que um deles tinha mais ou menos a minha altura e peso.

"Tira o macacão e dá pro Irineu vestir", disse o amigo dono da escola de pilotagem.

Três ou quatro latas de cerva na cabeça, já tinha eu.

"Vai se trocar lá no fundo do box e entra no carro", disse o amigo dono da escola de pilotagem pra mim.
Fiz isso sem dar bandeira e entrei no carro. Como não era o meu carro de corridas, não sabia nem onde ligar os faróis.

"Monta quatro slicks novos que já ví que tem trilho seco", pedí eu. Pequena discussão e decidiram que eu tinha que sair com pneus de chuva porque a pista ainda tava úmida, podia chover outra vez, blá, blá, blá...
Com quatro latas de cerva na cabeça a gente perde um pouco da credibilidade. Mas eu já tinha visto a pista antes de entrar no box e sabia que tava bom pra slick, mesmo que caíssem uns pingos dalí pra frente. A maioria dos carros tava andando com slicks, até.

Não argumentei muito e saí meio puto do box rumo a entrada da pista, com rain tyres novos.
Pequena tremedeira ao passar pela barreira na saída dos boxes, me deu. Eu não tinha renovado minha licença de piloto naquele ano, ainda. E nem tava inscrito pra corrida.

Tudo bem. O fiscal não notou que dentro do capacete tinha um cara levemente mais narigudo do que o devido.

Pista!

O Passat tava mesmo bem acertadinho. Muito bom de chão, ótimo de escalonamento de câmbio e ótimo de freio também. Só que os pilotos bundões pediram pra deixar o servo-freio instalado. Normalmente a gente tira isso porque mascara o feedback que o pedal do freio dá. Sem contar que é só dar uma exageradinha na patada que as rodas já travam, acabando com a inserção em curva.

Tinha ainda uns 20 minutos pra acabar o último treino classificatório e, depois da pequena discussão sobre os pneus, eu não queria desperdiçar parando e discutindo outra vez pra trocá-los. O amigo dono da escola de pilotagem sempre foi teimoso e eu sabia que ia perder tempo demais parado.

Tava fácil de andar com o Passat, mesmo com o motorzinho quase standart que montaram nele. O que veio no carro era um "milioito" com carburadores Weber e comandão de válvulas com mais de 290° de permanência. Esse que tava montado pra corrida era um "milisseis" quase careta, só com um comandinho baixo enquadrado certinho pro monte de subida que tem em Interlagos e se não me engano um carburador de duplo corpo original e só recalibrado pra não dar falta e refrigerar a cabeça dos pistões. Nada agressivo.
Mesmo bobinho, o motor gostava de girar e eu tava trocando de marcha a 6.500 rpm.

Tudo lindo até eu começar a abusar. Fui retardando todas as freadas até que passei um pouco do ponto no S do Senna. Travaram as rodas dianteiras. Foi a conta. Tava com pneu de chuva, o carro. Pneu de chuva tem composto de borracha mais mole que o slick. Os dois dianteiros ficaram quadrados por causa da lixada e a frente do carro começou a vibrar muito, tirando até uns rpm nos fins de reta. Continuei na pista assim mesmo, caprichando mais na pilotagem até acabar o treino.

Carro no box, ficamos esperando o resultado.

Por pouco mais de um segundo não classifiquei o carro pra eles. Entreguei como primeiro reserva.

Por um lado foi ruim porque eu sabia que classificava fácil o carro se me tivessem deixado andar com os slicks. Por outro foi bom, porque o carro sempre esteve em último em todas as listagens oficiais de tempo. E nesse treino pulei o carro mais pra cima na listagem (se não me engano deixei uns 7 ou 8 carros pra trás).  Um carro que nunca tinha guiado antes, eu não tava 100% por causa da cerva, tava de noite, pista úmida...

Pra mim, missão cumprida.

Tá cheio de histórias assim nas várias edições das Mil Milhas. Depois conto mais umas.

6 comentários:

  1. Muito legal Irineu, muito bom ler essas histórias.

    Abs,
    Miguel

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  2. Irineu,

    Qual é a verdadeira idade do senhor???

    Sato

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  3. Só pra lembrar, Sr. Shato, os comments são moderados por mim. Minha idade cê acha no site do Mig.

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  4. Só me divirto lendo essas histórias. Cada vez mais meu respeito por você aumenta Irineu!!!

    abs

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  5. A idéia é essa, Rodrigo. Contar histórias engraçadas (mas o pior é que aconteceram mesmo). Obrigado por lê-las.

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